Chivale & Thovela

Simplificação do Regime Jurídico para o Cooperativismo no Sector Mineiro como Estratégia de Formalização da Actividade de Garimpo

A) Introdução

No decurso de sua visita oficial à província de Manica, entre 12 e 15 de Maio do corrente ano, o Presidente da República, Daniel Chapo, salientou, em comício, a premente necessidade de organização dos garimpeiros locais em associações e do fomento de sua capacitação. Tal iniciativa visa mitigar as recorrentes ocorrências de catástrofes associadas à exploração mineira realizada sem a observância de padrões mínimos de segurança e protecção ambiental.

O tema em apreço reveste-se de significativa relevância, especialmente no contexto do actual processo de revisão da legislação mineira, que poderá contemplar a formalização das actividades de garimpo. Embora a matéria tenha sido preliminarmente abordada na legislação vigente – Lei nº 20/2014, de 18 de Agosto, e seu regulamento, aprovado pelo Decreto nº 31/2015, de 31 de Dezembro – identifica-se a necessidade de um aprimoramento jurídico mais consistente.

Nesse sentido, o presente artigo propõe a inclusão, no texto legislativo revisto, de um regime jurídico mais simplificado para o cooperativismo na mineração artesanal, com o objectivo de viabilizar a integração desses grupos no sector formal da mineração de pequena escala.

B) Análise da Actividade de Garimpo Ilegal e seu Impacto

A mineração artesanal, especialmente a extração de ouro e gemas, tem registado um crescimento significativo no país ao longo da última década, particularmente nas províncias de Manica, Zambézia e Cabo Delgado. Esse cenário impõe desafios crescentes ao Estado, tanto na regulação da exploração ilegal de recursos minerais quanto no combate à informalidade, com o objectivo de garantir a preservação ambiental e proteger os direitos dos garimpeiros.

Em geral, a actividade de garimpo gera impactos ambientais significativos. As práticas predominantes consistem em processos manuais de extracção e separação de minérios em depósitos secundários ou superficiais. A ausência de tecnologias apropriadas pode ocasionar danos ambientais severos, especialmente devido ao uso indiscriminado de mercúrio e cianeto. Além disso, na busca por minérios, garimpeiros frequentemente invadem ilegalmente áreas licenciadas ou protegidas, transgredindo normas e deixando um rastro de degradação ambiental.

Além da contaminação provocada pelo mercúrio, o garimpo ilegal está estreitamente associado ao aumento do desflorestamento, à sedimentação dos rios e ao recrudescimento da violência nos arredores dessas actividades. Ademais, a cadeia clandestina e ilícita da mineração pode ser explorada para o branqueamento de capitais provenientes de actividades criminosas e para o financiamento ao terrorismo, especialmente diante da crescente presença de operadores estrangeiros nessas regiões, alguns dos quais de proveniência e reputação duvidosas.

Ainda que se reconheça que a proliferação do garimpo ilegal representa um problema socioambiental de grande magnitude nas referidas localidades, é fundamental considerar que, do ponto de vista social, essa actividade constitui uma fonte essencial de renda e subsistência para inúmeras famílias moçambicanas. Assim, torna-se imprescindível compreender a dinâmica de organização social envolvida na exploração mineral, avaliando, em particular, como as cooperativas voltadas ao garimpo podem representar um modelo legítimo e eficiente de organização do trabalho e formalização da actividade.

C) Considerações sobre o Regime Geral das Cooperativas

A Lei Geral sobre Cooperativas (Lei 23/2009, de 8 de Setembro) define cooperativas como “pessoas colectivas autónomas, de livre constituição, de capital e composição variáveis e de controlo democrático, em que os seus membros obrigam-se a contribuir com bens e serviços para o exercício de uma actividade económica, de proveito comum, através de acções mútuas e mediante partilha de risco, com vista à satisfação das suas necessidades e aspirações económicas e um retorno patrimonial predominantemente realizado na proporção de suas operações”. Importa notar que essas entidades podem ser estabelecidas em diversos sectores da economia. No entanto, a realidade demonstra que, em contraste com as cooperativas agrícolas, historicamente familiares ao contexto moçambicano, as cooperativas estabelecidas no sector mineiro, especificamente na mineração artesanal e de pequena escala, na qual se enquadra o garimpo de ouro e gemas, são menos prevalentes.

O artigo 4º do diploma legal supracitado estabelece que a adopção da forma cooperativa não exime a obrigatoriedade de conformidade da actividade com a legislação, da obtenção de autorizações e licenças, bem como de outras formalidades legalmente exigíveis, devendo as entidades competentes para a emissão de tais autorizações e licenças considerar a natureza peculiar e a função social das cooperativas. Conclui-se, portanto, a intenção do legislador em conferir formalidade à actividade cooperativa mediante o estabelecimento de requisitos formais.

Não obstante o exposto, avalia-se que os mecanismos institucionais implementados pelo Estado ao longo da última década (desde a aprovação da lei de minas em vigor, em 2014) demonstraram limitada eficácia no impulsionamento da criação de cooperativas mineiras no país. Os resultados práticos da proliferação dessas entidades como forma de garantir a formalização do garimpo e mitigar seus impactos ainda são incipientes. Adicionalmente, considerando os níveis de instrução dos grupos-alvo, os requisitos previstos no artigo 4º podem constituir entraves burocráticos excessivos, sugerindo que um regime mais simplificado poderia fomentar a expansão do cooperativismo em geral, e particularmente no área de garimpo.

D) Análise do Regime da Lei de Minas (Lei 20/2014, de 18 de Agosto)

O garimpo, em função de suas características intrínsecas, conforme ventilado no ponto B) deste artigo, enquadra-se no regime estabelecido para a Senha Mineira, uma vez que ambos se destinam à mineração de pequena escala e às comunidades locais. Nesse contexto, a Lei de Minas, ao instituir o regime de Senha Mineira, representa um marco relevante na consolidação do formato de cooperativas de garimpeiros. O Regulamento da Lei de Minas (aprovado pelo Decreto 31/2015, de 31 de Dezembro) define os requisitos para o requerimento de Senha Mineira[1].


[1] Artigo 118 (Pedido de Senha Mineira)

1. O pedido de Senha Mineira deve ser dirigido ao Governador da Província com jurisdição sobre a área e é submetido por qualquer pessoa nacional singular ou colectiva com capacidade jurídica, técnica e financeira que lhe permite realizar operações mineiras artesanais, junto à Direcção Provincial respectiva.

2. Para efeitos do número anterior considera-se pessoa colectiva nacional a que esteja constituída entre nacionais.

3. O pedido de Senha Mineira deve conter a seguinte informação: a) Identificação completa do requerente, e no caso de pessoa colectiva a sua sede, a identificação e domicílio do mandatário; b) Localização da área; c) Recursos minerais a extrair na área; d) Prazo de validade da Senha Mineira pretendida; e) Outra informação que o requerente considere relevante.

4. O pedido de Senha Mineira deve ainda reunir os seguintes documentos: a) Ficha de licenciamento adquirida no local de submissão devidamente preenchida; b) Documento comprovativo de constituição da pessoa colectiva nacional com indicação do capital social e sua distribuição pelos respectivos sócios; c) Número único de identificação tributária (NUIT); d) Prova de pagamento de taxa de processamento, em conformidade com o Anexo 9; e) Termo de responsabilidade em relação aos trabalhadores que pretende empregar na área designada.

5. O pedido considera-se submetido, na data da sua recepção, através da aposição do carimbo comprovativo no recibo do pedido contendo código atribuído, pelo Instituto Nacional de Minas.

Reitera-se a preocupação com a excessiva carga burocrática inerente a este mecanismo, que, materialmente, contrasta com o objetivo do legislador de simplificar o acesso à actividade mineira pelas comunidades locais (garimpeiros), evitando a imposição de formalidades excessivamente complexas para a realidade dos destinatários.

Em uma análise comparativa do direito, como no caso do Brasil, onde também se verifica o fenómeno do garimpo ilegal, observa-se que a Permissão de Lavra Garimpeira (PLG)[1], um título mineiro, pode ser requerida por pessoas físicas, mas é preferencialmente concedida a cooperativas com o objetivo de reduzir a informalidade e assegurar direitos e melhores condições de trabalho que, ao menos teoricamente, seriam promovidos pela organização cooperativa. A PLG configura um tipo de requerimento simplificado que dispensa a realização de pesquisa prévia e não exige o licenciamento ambiental completo. Por meio dessas permissões, as cooperativas formalizam seu processo extractivo. Em outros termos, as PLGs são mecanismos institucionais utilizados pelas cooperativas para viabilizar a garimpagem, e as cooperativas representam o mecanismo institucional para o acesso à PLG.

Em suma, reconhece-se que o regime jurídico apresentado pela Lei de Minas de Moçambique estabelece um quadro legal e institucional que garante a legalidade e, em certa medida, promove e fomenta a criação de cooperativas na actividade de


[1] A Lei n° 7.805 de 18 de junho de 1989.

garimpo. Contudo, esse regime carece inequivocamente de simplificação, de modo a atrair um maior número de garimpeiros para a formalidade da actividade mineira.

E) Considerações Finais

O cooperativismo mineral tem adquirido crescente relevância, emergindo como uma alternativa para a formalização da actividade de extração mineral por parte dos garimpeiros, com potencial para promover a cooperação e garantir direitos aos trabalhadores.

Considera-se fundamental o desenvolvimento, pelas entidades competentes, de actividades de pesquisa em cooperativismo, a fim de demonstrar a realidade do cooperativismo mineral. Tais estudos poderão avaliar se a formalização, por si só, seria suficiente para contemplar os anseios do Estado e mitigar os impactos sociais, económicos e ambientais do garimpo no País. Faz-se necessário compreender a evolução das cooperativas mineiras em Moçambique e formular novas hipóteses e conclusões que permitam delinear com maior precisão a identidade das cooperativas no contexto do garimpo.

Nesse sentido, o presente artigo suscita outras reflexões que demandam respostas: Em que medida a simplificação dos requerimentos de Senhas Mineiras pode contribuir para acelerar a organização do sector informal mineiro? Quais factores socioeconómicos e jurídico-institucionais evidenciam a expansão do cooperativismo no garimpo em Moçambique? É possível afirmar que uma expansão quantitativa do número de cooperativas e de requerimentos de senhas mineiras reflete uma efectiva organização socioinstitucional dos garimpeiros?

A busca por respostas a essas questões contribui para elucidar a expansão do garimpo em Moçambique por meio do cooperativismo, apresentando um panorama geral dessas organizações no país e sinalizando sua realidade. Esse exercício poderá ajudar no aperfeiçoamento de mecanismos regulatórios e promoção de políticas públicas mais adequadas.

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