Chivale & Thovela

A Necessidade de uma Lei de Confisco Civil em Moçambique

Introdução

A aprovação da Lei 13/2020, de 23 de Dezembro, (Aprova o Regime Jurídico Especial de Perda Alargada de Bens e Recuperação de Activos1 em 2020  marcou um avanço significativo no combate à corrupção e ao crime organizado em Moçambique. No entanto, a efectividade desse marco esbarra na ausência de um instrumento complementar: uma Lei de Confisco Civil robusta. Este artigo discute a urgência de tal legislação, analisando lacunas no sistema actual, experiências internacionais e os impactos práticos para a justiça moçambicana.

1. As Lacunas do Sistema Actual

  a) Dificuldades na Recuperação de Ativos

A Lei 13/2020, de 23 de Dezembro, que estabelece medidas de rastreamento, congelamento e confiscação de bens ilícitos, está alinhada com padrões internacionais (como as Convenções da ONU contra a Corrupção e o Crime Organizado). No entanto, seu artigo 13 exige condenação criminal definitiva para o confisco, o que gera os seguintes problemas:  

  • Demora processual nos crimes complexos (ex.: branqueamento de capitais, corrupção) podem levar anos para julgamento final, permitindo que infratores dissipem bens.  
  • Dificuldade probatória, dada a necessidade de vincular bens a crimes específicos  antes da condenação, o que limita a actuação preventiva. 
b) Insuficiência na Prevenção

O Grupo de Acção Financeira Internacional (GAFI) incluiu Moçambique na sua lista cinzenta em 2022, indicando que o país tem deficiências estratégicas no combate ao branqueamento de capitais (AML) e financiamento ao terrorismo (CFT). Entre as principais lacunas apontadas:

  • Falta de mecanismos eficazes para confiscar bens ilícitos sem condenação penal (confisco civil).
  • Fragilidades na investigação de crimes financeiros complexos.
  • Risco elevado de lavagem de dinheiro via sectores como imobiliário, bancário e extrativo.

As lacunas acima indicadas podem levar ao risco de escalada para a lista negra (como Irão e Coreia do Norte), o que traria restrições a transacções internacionais, dificuldades para empréstimos e investimentos estrangeiros, danos à reputação financeira do país e à perda de activos ilícitos, uma vez que os criminosos continuam a ocultar bens enquanto processos judiciais se arrastam.

Uma das soluções apresentadas para Moçambique Sair da Lista Cinzenta é a aprovação da Lei do Confisco Civil.[1] É lícito considerar que Moçambique ainda não em essa lei por conta da resistência política e jurídica, na medida em que há preocupações com abuso de poder e violação de direitos de propriedade e falta de expertise técnica, pois há poucos profissionais especializados em rastreamento financeiro e gestão de activos confiscados.


[1] Propõe-se seguir modelos como o de Portugal, onde bens podem ser bloqueados com ordem judicial baseada em indícios. Por outro lado, sugere-se reforçar a Unidade de Inteligência Financeira (GIFIM), capacitando agentes em análise de transações suspeitas e cooperação internacional e criar tribunais especializados em crimes financeiros, como no Brasil (Varas de Lavagem de Capitais)

2. O Que uma Lei de Confisco Civil Deve Conter?

  1. Permitir o confisco de bens independente de acção penal, se houver desproporção clara entre os rendimentos declarados e o patrimônio acumulado (enriquecimento inexplicado). Trata-se na verdade da inversão do ônus da prova, na medida em que o investigado deve provar a licitude dos bens, sob risco de perdê-los.[1]
  2. Garantir a proteção a vítimas e terceiros de boa-fé, primeiro, instituindo prazos curtos para o investigado apresentar provas, com obrigatoriedade de constituição de advogado. Por outro lado, não podem ser confiscados bens adquiridos por terceiros de boa-fé, ou seja, quando adquirdos comprovadamente sem conhecimento da ilicitude. Se o confisco for revertido judicialmente, em caso de erro o Estado deve indenizar o proprietário por perdas e danos.
  3. Instituir uma interoperabilidade institucional, sendo que o GIFIM (Gabinete de Informação Financeira) rastreia movimentações suspeitas e emite alertas, o Ministério Público requer o confisco com base em relatórios do GIFIM e os tribunais decidem sobre a legalidade do pedido em prazos acelerados. Estes organismos iriam servir-se de uma plataforma unificada para registo de bens suspeitos.

[1] Inspirado no Brasil (Lei 12.846/2013 – Lei Anticorrupção Empresarial) e Portugal (Lei 5/2017, art. 6º – confisco de bens sem condenação).

Impactos Práticos

  1. Eficácia no Combate à Corrupção

Entre 2016 e 2019, Moçambique perdeu 2.660 milhões de meticais (cerca de 41,5 milhões de USD) apenas com casos de corrupção comprovados (Fonte: Centro de Integridade Pública, 2020). Com uma Lei do Confisco Civil seria possível a recuperação ágil de activos, pois bens como imóveis de luxo, veículos e contas bancárias suspeitas poderiam ser congelados em 48 horas e confiscados em 30 dias, sem esperar anos por uma condenação penal, evitando a venda ou transferência de bens para terceiros durante investigações e os investigados teriam de comprovar a origem lícita de bens inexplicáveis.

  1. Atração de Investimentos e Saída da Lista Cinzenta do GAFI

O facto de Moçambique estar na Lista Cinzenta do GAFI desde 2022, sinaliza um alto risco de lavagem de dinheiro e, como consequência, bancos internacionais impõem restrições a transacções moçambicanas e os investidores fogem por medo de associação a fluxos financeiros ilícitos. O GAFI exige explicitamente medidas de confiscação não condicionadas a condenações. Países como Maurícias saíram da lista após aprovar leis similares. Uma medida desta iria aumentar a credibilidade do país, sendo que empresas e fundos estrangeiros teriam mais segurança para investir, sabendo que Moçambique combate riscos sistêmicos de corrupção e . Por outro lado, isso ira garantir o acesso a financiamento internacional, pois instituições como FMI e Banco Mundial priorizam países com AML/CFT (Anti-Money Laundering/Combating Terrorist Financing) robustos.

4. Conclusão e Recomendações

A aprovação de uma Lei de Confisco Civil é urgente para:  

  • Complementar a Lei de Recuperação de Activos, fechando brechas para impunidade.  
  • Alinhar Moçambique a padrões internacionais, acelerando a saída da Lista Cinzenta.  
  • Reforçar a transparência, com mecanismos que equilibrem eficiência e direitos fundamentais.  

Referências:  

  1. Lei 13/2020, de 23 de Dezembro, (Aprova o Regime Jurídico Especial de Perda Alargada de Bens e Recuperação de Activos.  
  2. Lei 5/2017 de Portugal (Confisco Civil). 
  3. Lei 12.850/2013 e Lei 13.260/2016, com mecanismos de bloqueio antecipado.
  4. Proceeds of Crime Act 2002 (Reino Unido).
  5. Recomendações do GAFI para Moçambique .  
  6. Relatório do GAFI (2022) sobre Moçambique.
  7. UNODC (2021), Asset Recovery Handbook.  

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